Procrastinação é o nome bonito para o famoso “empurrar com a barriga”, “deixa quieto”, “amanhã a gente vê isso”, “vamos ganhando tempo”, “o próximo que vier resolve”. É uma prática recorrente para aquilo que não queremos enfrentar no momento, mas todos sabemos as consequências disso.
Alguns podem até tentar disfarçar e associar como “dar tempo ao tempo” (que é amadurecer a ideia, evoluir), mas isso é outra coisa e não se aplica a este substantivo.
A timeline (Figura 01) dos resíduos no país começou até bem lá nos anos 80, pelo menos já entendendo a importância sobre as questões ambientais com a PNMA e tendo um espaço reservado ao meio ambiente na Constituição Federal em seu artigo 225. Um pouco antes, em setembro de 1987, um grave acidente que aconteceu em Goiânia reforçou a necessidade sobre a gestão de resíduos sólidos, visto que na ocasião, um equipamento de radiologia abandonado em um prédio foi alvo de interesse de catadores que decidiram levar o equipamento para desmontar e obter algum lucro com a sucata. Tal atitude levou a óbito 4 pessoas e mais de 1600 contaminadas e até hoje a região sente os reflexos desse lixo nuclear. Foi o maior acidente nuclear registrado fora de usinas.
Já na década de 90, o assunto continuou avançando e vem o PL 203 (1991) que instituiu a gestão de resíduos dos serviços de saúde e logo depois em 1998, a Lei de Crimes Ambientais onde começa a mostrar que deve se ter compromisso na correta gestão ambiental por toda a sociedade. Os artigos 54 e 56 desta Lei já dá a certeza da punição sobre o descarte de resíduos de forma que venham causar poluição ao meio ambiente. Não se deve esquecer também a Rio92, que o maior evento mundial sobre meio ambiente, que sem dúvida ajudou a impulsionar o tema.
No final dos anos 2000, é a aprovada a PNSB (Lei 11.445 de janeiro de 2007), e o assunto resíduos sólidos já ganha artigo próprio e é descrito como questão de saneamento básico.
E por fim em agosto de 2010, o país finalmente tem uma Lei específica para resíduos sólidos (Lei 12.305 de 02 de agosto de 2010). Um grande avanço sobre a matéria e que envolve de verdade toda a sociedade. Essa Lei não só dá as obrigações mas também deixa a dica para as oportunidades que uma moderna gestão de resíduos trará nos aspectos ambiental, social e econômico. Pontos fortes da Lei:
- Definição de poluidor pagador;
- Dos responsáveis pelos resíduos em toda a cadeia;
- Da logística reversa;
- Da coleta seletiva;
- Da inclusão social;
- Deixa até uma oportunidade para municípios priorizar associações e cooperativas na gestão de resíduos recicláveis, inclusive amparando com a Lei 8.666 (Lei das Licitações), que seria uma oportunidade na redução de custos na gestão municipal dos resíduos.
Essa Lei ainda deixa a “cereja do bolo”, que é um ponto final nos lixões no Brasil: 02 de agosto de 2014.
Quem é dá área ou se envolve um pouco com as ações dos municípios, já sabe o que aconteceu…Aos que não sabem, a timeline acima explica bem o porquê do primeiro parágrafo começar falando sobre procrastinação.
Analisando a timeline entre os anos 80 a 2000, até dá pra compreender a lentidão, visto que o país estava tentando sair de sucessivas crises e de processos inflacionários que comiam as riquezas da nação, bem como as tecnologias que ainda nem sonhavam em desembarcar em nossas terras (pelos menos com viabilidade econômica). Hoje temos soluções mais que comprovadas para os resíduos. Do produto ao sub produto, tudo tem solução e boa parte é viável economicamente. E quando a conta não fecha leva-se em consideração a contabilidade socioambiental que também pode ser perfeitamente equacionada pelos governos e assim alavancar sua viabilidade.
Dos 40 anos que separam a discussão mais contundente sobre o assunto, bem ou mal os primeiros 29 anos seguiram uma linha ascendente….já os últimos anos quando a coisa deixou de ser apenas um papel e teve que virar ação, não seguiu da mesma forma.
De 2010 pra cá, pouco avanço aconteceu na destinação adequada de resíduos…em 2010, 56,8% dos resíduos tinham destinação adequada e nove anos depois, mesmo com a PNRS que dizia que não haveriam mais lixões a partir de 2014, apenas 59,5% dos resíduos foram destinados de forma correta.
De 2010 pra cá, pouco avanço aconteceu na destinação adequada de resíduos…em 2010, 56,8% dos resíduos tinham destinação adequada e nove anos depois, mesmo com a PNRS que dizia que não haveriam mais lixões a partir de 2014, apenas 59,5% dos resíduos foram destinados de forma correta.
Outro fator importante é um projeto de Lei que está tramitando no Congresso e que todas as Assembleias legislativas já aproveitaram para pegar carona: O PL 1.884/2021, que simplifica o licenciamento de Aterros para municípios com até 50 mil habitantes. Leitura interessante, pois a depender da forma como se interpreta, pode despertar a criatividade. Virando Lei, não sobrará muita alternativa aos organismos licenciadores e ao MP para tratar esse assunto. Aí vão dizer que são municípios pequenos e que devemos olhar com outros olhos. Na verdade não, estamos falando de um assunto que abrange 4.890 municípios (88% das cidades brasileiras) e 66.000.000 de habitantes. Só isso.
Pouco progresso sobre a redução de lixões aconteceu…e não houve privilégio de uma região ou outra, mais ou rica ou não. Em todas a redução foi pífia, mesmo que ao longo desses 10 anos de PNRS, muito recurso financeiro foi investido pelos governos nas 3 esferas para fazer projetos, planos de gerenciamento, leis, consórcios, discussões, ações judiciais, e tudo mais como forma de resolver o problema. Muito dinheiro mesmo, mas o resultado está no gráfico abaixo:
O custo per capta para a gestão de resíduos cresceu muito nos últimos 10 anos, mas isso não foi suficiente para reduzir a destinação inadequada de resíduos. Qualquer um que investe, sabe que não basta apenas aumentar o investimento para resolver um problema, mas saber se o que investe vai trazer o benefício pretendido. Os números mostram que não. A geração de resíduos aumentou na última década em 19%. Já o gasto aumentou em 43,9%. Ainda assim praticamente ficou estagnada a destinação inadequada / adequada de resíduos. Enquanto isso, estima-se que 1 bilhão de dólares são gastos anualmente em tratamento de doenças e custos ambientais por causa dos problemas relacionados a saneamento e resíduos.
Se perguntarmos a um catador o que é lixo, certamente ele dirá que é dinheiro. Então, quanto de dinheiro estamos gastando para jogar fora outro dinheiro?
O modelo que aí está se é certo ou errado, vai do ponto de vista e interesse de cada um, mas a certeza é que não está trazendo o resultado esperado. Quantas gerações ainda vão viver esse drama da procrastinação?
Fontes de consulta: Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2020 (ABRELPE) / www.planalto.gov.br / www.camara.leg.br
Autor do Texto:
Alexandre Bernardes
Engenheiro Civil / Engenheiro de Segurança do Trabalho
Diretor de Gestão de Projetos da DZ Engenharia e Consultoria